sexta-feira, 12 de novembro de 2010

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“A morte de Sêneca” - Gerrit von Honthorst
1. Refugia-te nestas coisas mais tranqüilas, mais seguras, mais elevadas! Pensas que é a mesma coisa cuidar para que o transporte do trigo chegue livres da fraude e da negligência dos transportadores, que seja armazenado com cuidado nos armazéns, de modo que não se aqueça ou não se estrague pela umidade e não fermente, e, por último, que a medida e o peso se encontrem de acordo com o combinado; pensas que tais cuidados possam ser comparados com estes santos e sublimes estudos que te revelarão a natureza de Deus, seu prazer, sua condição, sua forma? Irão te indicar o destino reservado à tua alma, onde nos colocará a natureza quando formos libertos dos corpos? O que sustenta os corpos mais pesados no meio deste mundo, o que suspende os mais leves, leva o fogo às regiões mais elevadas; indica aos astros a sua rotação e, assim, muitos outros fenômenos ainda mais maravilhosos? 2. Queres, uma vez abandonada a terra, voltar a mente a essas coisas? Agora que o sangue ainda aquece e que está pleno de vigor, devemos tender às coisas melhores. Encontrarás, neste tipo de vida, o entusiasmo das ciências úteis, o amor e a prática da virtude, o esquecimento das paixões, arte de viver e de morrer, uma calma inalterável. 3. Certamente, miserável é a condição de todas as pessoas ocupadas, mas ainda mais miserável a daqueles que não são para si, esperando, para dormir, o sono dos outros, para comer, que o outro tenha apetite, que caminham segundo o passo dos outros e que estão sob as ordens deles nas coisas que são as mais espontâneas de todas – amar e odiar. Se desejam saber quão breve é a sua vida, que calculem quão exígua é parte que lhes toca.
(Sêneca, Sobre a brevidade da vida, Porto Alegre: L&PM, 2009, p.80-81).


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No ano 65 d.C., Sêneca foi acusado de ter participado na conspiração de Pisão, na qual o assassinato de Nero teria sido planejado. Sem qualquer julgamento, foi obrigado a cometer o suicídio. Na presença dos seus amigos cortou os pulsos, com o ânimo sereno que defendia em sua filosofia. Tácito relatou a morte de Sêneca e da mulher, que também cortou os pulsos. Nero, com medo da repercussão negativa dessa dupla morte, mandou que médicos a tratassem, e ela sobreviveu ao marido alguns anos.

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