Quinta-feira, dia 9.
De malas prontas, vamos à última mesa redonda da
conferência, que discute situação da classificação hoje em dia. O antigo e o
moderno ressaltam aos olhos: americanos e alemães parados no tempo,
singapuranos e outros americanos antenados com o que ocorre no mundo.
Retiramos nosso pôster, voltamos ao hotel e fazemos nosso
último almoço em Mysore, enquanto aguardamos o carro que nos levará ao
aeroporto de Bangalore. Meu destino: Agra.
1º. Trecho, 4h30 de
carro
Sair de Mysore, ir a Bangalore, e cruzar um monte de
cidadezinhas. Essa é a viagem por paisagens que, quando eu cheguei não vi pois
era madrugada. Desta vez deixamos o hotel meio-dia e meia. Somos cinco
passageiros e as malas que acabam sendo levadas no teto, presas por uma singela cordinha – de acordo
com o pessoal do hotel, a última palavra em segurança no envio de bagagens.
Tudo iria bem se não fosse a chuva. A Índia está no período das monções, e por
isso toda hora chove. E as malas dos meus colegas se molham. A minha, que
estava por baixo, foi poupada.
A paisagem é desoladora: gente pobre, sujeira, vacas comendo
lixo, pessoas lavando pratos e panelas na rua. Trânsito e muita buzina. Onde
está a famosa espiritualidade indiana?
Chegamos ao aeroporto a tempo para todos, tomamos um chá, e
vemos as lojinhas. Check in feito, procuro wi-fi. Consigo uma rede que libera
45 minutos gratuitamente, e aproveito para avisar ao motorista que deve me
pegar em Delhi, que somente chegaremos depois das onze e meia. O tempo acaba e
não recebo respostas. Espero que dê certo.
2º. Trecho, 2h30 de avião
Com 40 minutos de atraso, embarcamos num avião da Kingfisher
(mas isso não é marca de cerveja indiana?). Um guarda de turbante verifica
nossas bagagens de mão, antes de entrarmos na aeronave. Para meu espanto, as
poltronas são largas, a temperatura é agradável e é servido jantar. Aproveito
para dormir um pouco.
Chegamos quase meia-noite, e meu celular toca. Alguém
avisando que o motorista já está nos aguardando. Rapidamente pegamos nossas
malas. No banheiro, uma indiana abre a porta para nós, abre a torneira, põe
sabão nas nossas mãos, e nos entrega a toalha – quer gorgeta. Visualizo o que
me aguarda em Agra.
Saímos do aeroporto, e o tal motorista já correndo em nossa
direção. Trata-se de um homem bastante simpático e gentil (estamos mesmo na
Índia).
3º. Trecho, 3h carro
Deixamos o aeroporto. O motorista nos diz que ainda teremos
4h30 de viagem até Agra. Mas, para nossa alegriaaaa, acaba de ser inaugurada
uma Expressway, uma rodovia de alta-velocidade que promete nos levar à Agra em
até duas horas. E para nossa sorte, em seus primeiros dias de funcionamento,
não são cobradas as taxas de pedágio. Eba!
De fato vamos rápido e com conforto. O simpático taxista nos
mostra um pouco de Delhi a noite. Essa sim parece uma cidade grande,
desenvolvida. Bate um alívio, um sentimento de esperança para a Índia. O
problema é quando chegamos em Agra. O passado se apresenta na sua pior forma. E
cadê o nosso hotel. Rodamos por mais de meia hora, e nada. Ligamos e nada. Após
vários pedidos de informação encontramos o endereço.
Onde estamos?
O carro para, numa travessa no meio do nada. Trata-se de uma
casa escura. Batemos, o motorista continua telefonando em hindu. Quinze minutos
depois a luz interna se acende, e vemos, através da porta de vidro, uma sala
com um colchão no chão, onde alguns indianos dormem. Eu e Nair olhamos uma para
cara da outra. Não vai rolar.
O motorista percebe nossa aflição (ele realmente nasceu em
Delhi, como nos contou?), e diz que conhece uns hoteis melhores na região.
Seguimos viagem. Ele nos mostra algo como muito chique, e enfim nos leva a algo
não tão caro assim. Informa aos funcionários que queremos olhar o quarto antes
de decidir. O que fazemos, mas estamos tão cansadas que ao vermos a cama e o
banheiro, aceitamos na hora o negocio.
O que foi uma besteira. O chuveiro não tinha água
suficiente, apenas umas gotas, mas na banheira sai água em abundancia.
Portanto, banhos de canequinha, e cabelos lavados na pia.
Mal terminamos de nos instalar no quarto, e batem na porta.
É o recepcionista pedindo a gorjeta, as quatro da manhã. Achei o fim: não dava
para esperar nos descansarmos um pouco? Antes dele, o rapaz que nos trouxe água
também ficou estendendo sua mão. E para piorar, descobrimos que o café da manhã
é duvidoso, e comemos apenas um pão, e um chá numa louça que não vai ganhar o
premio de mais limpa do mundo.
Monumentos de Agra
Como de sexta-feira o Taja Mahal fica fechado, preenchemos
nosso roteiro com visitas a outros templos e atrações. Nosso motorista chega
pontualmente ao meio dia, e para nossa surpresa, vem acompanhado de outro
homem. Mr. Giall, nosso motorista, o apresenta como um guia que fala espanhol.
Ficamos pasmas, afinal não nos lembrávamos de ter solicitado nenhum serviço
desse tipo.
E começam as perguntas: o que fazem, quais são os membros da
família que vivem com você, filhos, quando volta para Portugal? Minha resposta:
sou estudante, recém-casada sem filhos, e vivo no Brasil. Olho feio e as
perguntas param por aí.
Passmos pelo rio Yamuna, e no centro caótico, pobre, sujo,
vemos os macacos. E eles não estão sós: cabras, porcos, cavalos, cães e vacas.
Todos na maior imundície. E começa a visitação: primeiro Mehtab Bagh, um jardim
maravilhoso que faz vista para o Taj Mahal, vamos ao Itmad-ud-Daulah, que é um
tumulo, uma espécie de mini Taj, e Chini Ka Rauza, outro túmulo, mas em estilo chinês.
Tudo isso sob um calor escaldante.
Aí o guia, apesar de nossos protestos, nos leva a um fabricante
de tapetes. Ele nos mostra todo o processo artesanal – enquanto fala, homens
franzinos e mal tratados, com aparência de escravos, fazem movimentos
coordenados com a explicação do marajá dos tapetes. É muita exploração do ser
humano.
Saímos de mãos vazias e vamos almoçar num restaurante
indicado por Mr. Giall. Vou lavar as mãos e um rapaz faz questão de abrir a
torneira para mim, colocar o sabão nas minhas mãos e me entregar as toalhas –
claro, quer gorjeta. Até pensei em usar o banheiro, mas eram tantas as moscas
voando que desisto da ideia.
Salvação do dia
Ah, o almoço. Delicioso, divino! Ah se a Índia fosse como
esse almoço... Comida quase sem pimenta, saborosa, bom atendimento. Mas não aceita
cartão. Nem tudo é perfeito.
Mais atrações
Terminamos o passeio com o Agra Fort. Trata-se de um palácio
belíssimo e imenso que foi casa de um imperado da India. Lá viviam ele, suas três
esposas, filha, e mais de 600 concubinas. A função delas era cuidar do serviço
domestico e sexual do imperador.
Mais uma vez uma família indiana que não fala inglês pede
para tirar fotos comigo. Vai entender, estamos num templo maravilhoso, no qual
ao fundo se vê o Taj Mahal, mas é de mim que querem tirar fotos.
Exaustas, somos levadas de volta ao hotel no final da tarde.
Afinal ainda teremos o desafio do banho.
Taj Mahal
De malas prontas, fazemos o check out do hotel e vamos ao
Taj Mahal.
Descobrimos que a entrada custa 750 rupias (dos outros
monumentos varia de 100 a 300) e ainda temos de pagar o transporte de um portão
até o templo, num carro elétrico, pois, carros convencionais não entram para
evitar a poluição e não sujar o templo de mármore.
Fico brava, o guia diz que não é culpa dele. Eu sei, é da
agência de viagens que não avisou dos custos extras, é do governo, é da India,
é minha de quando quis fazer essa viagem. Mas ok. O Taj Mahal é uma coisa inexplicável,
maravilhosa – realmente vale a pena a visita.
Após a visita, pagamos o guia (300 rupias por monumento
visitado), e o motorista nos leva a um fabricante de mármores incrustados com
pedras preciosas. Novamente, uma aula de arte, diante de semi-escravos bem
ensaidos.
Delhi
Antes de nos deixar no aeroporto, Mr. Giall nos surpreende com um city tour pela
sua cidade natal. E não é que a Índia tem um lugar mais agradável? Delhi é a
capital, muitos casarões para políticos e embaixadas, parques. Claro que se
você desce do carro, aparecem milhões de indianos querendo vender alguma coisa.
Mas o super Mr. Giall os avisa para não nos pressionar. Pelo menos ele entendeu
que não somos o tipo de turista que consome desenfreadamente.
Mesmo assim, é impossível esquecer a miséria. A cada farol
em que paramos, crianças batem nos vidros do carro pedindo comida, dinheiro,
querendo vender alguma coisa. Novamente, cadê a espiritualidade?
Mr. Giall compra uma lembrancinha religiosa, conta que é
muito pobre, mas parece feliz e conformado. Sabe que nunca sairá da Índia, pois
nunca terá dinheiro para pagar uma passagem. Não recebeu educação, sabe inglês por
conta própria. E agradece ao grande Lorde Krishna por tudo.
Chegamos ao aeroporto. A Índia está chegando ao fim.
Delhi, 11 de agosto de 2012.